Batman, comissário Gordon e o promotor Harvey Dent encurralam a máfia de Gotham City que, sem alternativa, resolve aceitar a proposta de ajuda de um criminoso excêntrico, conhecido como Coringa. Sua promessa é espalhar o caos e o terror pela cidade até que o herói revele sua verdadeira identidade.
A sequência de “Batman Begins” dá continuidade à abordagem mais realista do famoso herói da DC Comics, tanto no que diz respeito aos personagens e suas personalidades quanto no desenvolvimento da trama em si: o roteiro, rebuscado, é feito de uma trama cheia de curvas e reviravoltas bem compostas e com o pé no chão; os atores, em seus respectivos papéis, oferecem interpretações consistentes com a abordagem do argumento, incluindo aí Heath Ledger, que compôs um Coringa menos histriônico, menos folclórico e mais contido, físico e maquiavélico; e o trabalho de Christopher Nolan na direção continua bastante preciso e requintado, além de manter constante a atmosfera sombria dos quadrinhos que inspiraram esta nova abordagem do herói.
Porém, o ego do diretor que foi eleito o queridinho da crítica americana e do público jovem, principalmente dos aficcionados em quadrinhos, falou bem mais alto desta vez. Crendo piamente que tudo aquilo que sai de sua cabeça é algo genial, Nolan extende o filme de modo desnecessário, produzindo por mais uma hora, além da uma hora e meia em que tudo corria bem, uma reviravolta que só faz colocar tudo no chão. O roteiro, composto pelo próprio diretor em parceira com seu irmão e com David Goyer, a partir do momento que desenha o nascimento do segundo vilão apresentado no longa, põe abaixo a sensatez desenvolvida até então e rende-se a uma série de concessões e soluções fáceis para sustentar cenas de batalha mirabolantes, coroadas por um festejo à integridade humana – incluindo aí a de milhares de criminosos – e por um desfecho rídiculo, para dizer o mínimo, com direito à um discurso final constrangedor do personagem de Gary Oldman para sustentar a pecha de “Cavaleiro das Trevas” para o herói. Em consequência do roteiro que pôs a perder, o diretor acaba fazendo o mesmo no seu trabalho por trás das câmeras: a medida que a última hora do filme avança, Christopher Nolan rende-se à encenação apoteótica mais barata, devidamente temperada com uma pieguice inevitável para encenar o epílogo pelo qual ele acabou sendo co-responsável. E, não exatamente por consequência destes problemas mas como algo que anuncia que a coisa não vai terminar bem, inicia-se o filme já com a constatação patente de que a celeuma em cima da Heath Ledger e seu personagem foram puramente consequência da exploração do epísodio de sua morte: não apenas seu trabalho, mesmo competente, não justifica o estardalhaço feito mas também descobre-se que a participação de seu personagem na trama, ao contrário do que se poderia imaginar, acaba sendo modesta e tímida – cerca de um terço do longa-metragem.
No fim, “Batman – O Cavaleiro das Trevas” serve como veículo para dar vazão à megalomania de Nolan que, na última parte do longa-metragem, parece ter esquecido tudo o que tinha feito até ali. Com poucas exceções, é exatamente isso o que acontece quando todo mundo resolve apressadamente eleger alguém como o melhor em algo, seja no que for – ele acaba acreditando, e não raro perde a noção de limites e do bom-senso. Não seria má idéia dar, no inevitável terceiro filme, o direito à mais alguém de mostrar a sua visão deste Batman sombrio e amargurado – no pior dos casos vamos ter um outro diretor cometendo os mesmos erros. Mas isso ainda me parece melhor do que deixar Christopher Nolan à cargo do terceiro – porque, pelo que eu vi neste filme, a tendência é a coisa ficar bem pior.
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Mulher aspirante a boxeadora consegue, depois de muita insistência, ser preparada por um experiente treinador que, apesar do extremo talento, nunca conseguiu chegar ao circuito profissional. O relacionamento de ambos, inicialmente distante, se intensificada á medida que o treinador tem conhecimento da vida díficil de sua aluna.
Há um punhado de coisas irritantes neste que foi considerado um dos melhores filmes de Clint Eastwood. O primeiro ponto desta questão é a enorme lentidão da primeira metade do filme. Não tenho absolutamente nada contra a condução lenta de um longa-metragem, mas é óbvio que ao decidir por utilizar este como o tom de seu filme, o diretor deve concentrar seus esforços em não deixar que este recurso torne sua obra desinteressante ou atrapalhe a própria constituição do argumento. Ao que parece Clint não deu devida atenção à isso, ja que a impressão que se tem é que absolutamente nada acontece neste primeira sequência de seu filme. Alguns podem enxergar isto como qualidade, mas a verdade é que é mesmo uma falha. O segundo problema é o artíficio da narração em “off” – à cargo do ator Morgan Freeman -, utilizado à exaustão pelo diretor americano durante o seu longa. O recurso é, na minha opinião, dos mais difícies de se implementar em um filme. Seu uso pode acabar conferindo infantilidade – devido à sua relação com a fábula -, lentidão, artificialismo e, mesmo que inadvertidamente, causar uma certa sensação de presunção do seu relizador. Todos esses efeitos nocivos da narração em “off” acabam por se apresentar em maior ou menor grau no filme, acarretando assim num empobrecimento da trama. O terceiro problema seria a insistência do cinema americano em elaborar tramas que carreguem o discurso didático-moralista da valorização da experiência dos mais idosos. É certo que isso deve ser sempre respeitado, mas os americanos – como não poderia deixar de ser – sempre o fazem com excessos de pedantismo e pieguice. Clint Eastwood já fez um filme inteiro assim – falo de “Cowboys do Espaço” -, e ainda teima em querer educar seu público no assunto, como se pode conferir particularmente na cena em que o personagem de Morgan Freeman nocauteia um boxeador de personalidade lamentável e, evidentemente, muito mais jovem que ele.
Porém, há de se admitir que o filme tem suas vitórias. As atuações estão realmente soberbas – Hillary Swank, em especial, consegue desenvolver sua boxeadora com o misto ideal de força, resignação, sofrimento e humildade que o roteiro exige. Além disso, se a primeira metade do filme arrasta-se no desinteresse, a segunda parte desperta até mesmo tensão no expectador, devido à previsibilidade intencional da desgraça que abate o destino da protagonista: e é justamente por ser previsível que o testemunho da desgraça pessoal do boxeadora se torna ainda mais doloroso e difícil de acompanhar. E o inevitável avanço da misérável destino da boxeadora é tratado pelo diretor americano com bastante cuidado, sem cair excessivamente no melodrama fácil e inevitavelmente piegas que a abordagem de uma doença/estado terminal ou crônico sempre acaba acarrretando. A trilha sonora, composta ainda pelo próprio Clint Eastwood, é delicada e sutil, conseguindo ser tocante sem apresentar arroubos orquestrais que poderiam carregar demais as tintas já naturalmente emotivas do argumento do filme. Ao cabo do longa-metragem – que foi feito com base no roteiro de Paul Haggis, também responsável pela direção do desnecessário “Crash – no limite” -, percebe-se que Clint consegue obter, em parte, a beleza de seu eternamente memorável “As pontes de Madison”. É uma expectação válida, mas não merece ser colocada ao lado dos filmes celebrados do diretor – não fosse pelos defeitos, que não se configuram como meros detalhes, Clint poderia ter sucedido completamente na empreitada.