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“Feriado de Mim Mesmo”, de Santiago Nazarian

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Jovem tradutor, que tem o hábito de passar a maior parte do tempo sozinho no seu apartamento, começa a desconfiar de que alguém o está invadindo, ainda que admita a possibilidade de que isso talvez seja fruto de sua imaginação.
O terceiro livro publicado pelo paulista Santiago Nazarian constitui-se em uma história econômica na exploração de espaço e de personagens, possuindo uma estrutura fortemente teatral. Mas enquanto qualquer obra desta monta tem como fundamento o diálogo entre os personagens, o livro de Nazarian prima pela exploração do diálogo internalizado, pela construção deste na mente do protagonista que habita sua história. Nela, o leitor é levado à um acreditar e desacreditar constantes, suspenso na atmosfera de uma narrativa que mesmo tendo os pés bem fincados no real explora de modo primoroso aquilo que aparentemente não o é – mas seria mesmo apenas aparente? Afinal, tudo – as impressões do “eu”, os vestígios do “outro”, as até um tanto inofensivas perturbações cotidianas – seria fruto de um estado de alteração perceptiva ou sintoma de um invasor sorrateiro?
É certo que muitas histórias já foram escritas versando sobre a substância com a qual “Feriado de Mim Mesmo” lida, mas a abordagem dada por Nazarian à esta substância é seu grande diferencial: este “monólogo mental”, por assim dizer, é fruto de uma escrita direta e sucinta, expressa em períodos curtos de caráter bastante objetivo que procuram a maior parte do tempo afastar-se de metáforas. Assim, essencialmente, “Feriado de Mim Mesmo” desenvolve um enredo que lida com a umidade complexa do psicológico paradoxalmente construído sobre a secura pragmática da linguagem realista.
Contudo, a consequência mais interessante que se obtém da leitura de “Feriado de Mim Mesmo” – ao menos na minha leitura – é outra: o jogo arquitetado entre as noções de biografia e ficção. Se iniciada a apreciação da obra depois de obtidas as informações sobre o seu autor em uma das orelhas do livro, haveremos de encontrar algumas prováveis similaridades entre o escritor e o protagonista da história, o que faz a leitura ser contaminada pela idéia de que a trama parte de alguns pressupostos biográficos. Porém, à medida que as páginas avançam os resquícios biográficos vão desmanchando suas formas, que passam a ser tomadas paulatinamente pela substância própria de uma ficção que alimenta-se destas, assimilando-as numa antropofagia narrativa visceral e violenta – não à toa a própria conclusão da trama materializa a noção antropofágica de modo bastante literal. É desta devoração da biografia pela ficção que nasce uma narrativa de dinâmica complexa, uma “ficção de si mesmo” que se utiliza dos artifícios tradicionais da literatura para subvertê-los em um jogo meta-ficcional e meta-literário que pulsa em uma esquizofrenia narrativa ascendente. É dessa forma que o sonho e pesadelo da produção cultural pós-moderna são materializados simultaneamente na escrita de “Feriado de Mim Mesmo” – um livro que ilustra com maestria como uma trama que lida com as conflitos e terrores do “supra-eu” contemporâneo podem interessar ao público, ao contrário do que foi feito no mais recente longa-metragem de Murilo Salles.

P.S.: Alguém me disse certa vez, não recordo se foi o ou o Pelvini, que faltava ao meu blog resenhas de livros. Bem, este é o post que inaugura minha tentativa de suplantar com sinceridade a minha vergonhosa preguiça de manter o hábito da leitura – também ofuscado pelas toneladas de músicas, filmes e informação ofertados na internet. Daqui em diante procurarei manter uma frequência razoável na publicação de textos sobre literatura – particularmente sobre livros de ficção.