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“Amém”, de Costa-Gavras.

AménNo advento da Segunda-Guerra Mundial, especialista em substâncias químicas para limpeza e tratamento da água é contactado e incluído na força nazista da SS. De fé católica, ao descobrir o uso que os oficiais nazistas fazem de seus conhecimentos em química, o agora agente do império ariano tenta advertir a igreja sobre o extermínio de judeus e acaba recebendo a ajuda de um padre com contatos no alto escalão da organização do Vaticano.
Costa-Gravas é conhecido pelos seus projetos polêmicos, e este filme não foge à regra. A produção francesa é contundente e ousada ao retratar a tolerância de grande parte do clero e da administração da igreja católica romana aos atos da “solução final” da Alemanha nazista – o filme chega a sugerir, na sua sequência inicial, a participação de algumas instituições relacionadas ao Vaticano no extermínio de inválidos internados para tratamento. Diretor cujo cinema é politizado e engajado, Costa-Gavras revela o cinismo do Vaticano em refutar a existência dos campos de extermínio e o temor do alto clero devido as implicações políticas no advento do envolvimento da instituição religiosa no conflito, já que a eventual vitória da investida Nazista no território da União Sovitética interessava ao Vaticano. Além disso, a hipocrisia da igreja diante dos atos perpretados pelos alemães nazistas contra judeus, mesmo dentro de território italiano, também é exposta no filme.
Os protagonistas Ulrich Tukur, como o oficial Gerstein, e Mathieu Kassovitz, como o padre Riccardo Fontana, esbanjam excelente performance nos seus papéis – não há como não se compadecer da dor do oficial da SS, que arriscou-se o quanto pode para tentar intervir nos planos de extermínio nazistas, e do martírio do padre católico, que via, pouco a pouco, a instituição em que tanto acreditava definhar diante do comodismo político.
É importante ressaltar que muitos encontrarão semelhanças entre “Amén” e “A lista de Schindler”, do diretor americano – de origem judia – Steven Spielberg. Isso não é por acaso, já que seus argumentos retratam, igualmente, alemães em conflito com os atos da ditadura de Hitler. No entanto, a abordagem de cada um dos filmes difere bastante: enquanto Spielberg se esbalda em utilizar-se de sequências que retratam os requintes de crueldade da violência do regime nazista contra aqueles que perseguia, Costa-Gravas é muito menos gratuito na proposta de seu filme, evitando cair na exploração visual do genocídio, já que compreende que, no seu cinema, a sugestão dos atos perpretados pelos homens de Hitler é suficiente e bem mais eficiente do que a exposição destes. Um bom exemplo disto são as recorrentes sequências em que locomotivas com inúmeros vagões – por vezes com as portas abertas, em outras com estas fechadas – percorrem trilhos por campos tranquilos: ao assisitir o filme sabe-se que a placidez do ambiente exterior – estonteantemente retratado pela fotografia de Patrick Blossier – contrasta violentamente com o temor da realidade do que estaria no interior dos vagões. A trilha sonora também contribui muito para o tom realista do longa-metragem, já que foi composta e conduzida com a supressão de qualquer grandiloquência sonora, que só faria atrapalhar a sobriedade do filme e ofuscar o trabalho excepcional dos atores.
Ignorado massivamente pela mídia quando do seu lançamento, em 2002, “Amén.” está entre a leva recente de filmes que conseguem reutilizar a temática do nazismo e do Holocausto abordando facetas ainda não exploradas pela maioria dos filmes produzidos até hoje, e que só com o devido distanciamento podem ser analisadas de forma adequada – construindo uma narrativa poderosa sem ser apelativa, evitando o sentimentalismo excessivo e ufanismo que os filmes americanos costumam apresentar ao tratar do tema, por exemplo. Depois de deixar-se tomar pela catarse de filmes como “A lista de Schindler” e “O pianista” é sempre bom acalmar os sentidos e promover uma reflexão daquilo que foi visto, explorando uma visão mais abrangente e distanciada sobre a complexidade do conflito – reflexão esta que é bastante facilitada pela sobriedade de filmes como o de Costa-Gavras.