Não está entre os meus favoritos o cineasta espanhol Pedro Almodóvar: poucos de seus filmes caíram no meu gosto. Mas nem por isso não consigo reconhecer em Almodóvar um cineasta com uma proposta muito clara e uma identidade forte. O seu mais recente filme, “A Pele que Habito”, porém, vai além: é um êxito que poucas vezes permito dizer ter o diretor espanhol alcançado.
O filme, baseado no romance do escritor francês Thierry Jonquet, lido por Almodóvar há cerca de dez anos atrás, é um primor da técnica e estilo: cada elemento é trabalhado ostensivamente para amplificar e apoiar os eventos e a composição dos personagens na narrativa, como se deve esperar sempre de diretores já consagrados. A fotografia cuidadosamente limpa e asséptica de José Luiz Alcaine ressalta o idílio dos protagonistas de modo assombrosamente clínico, os enquadramentos estudados por Almodóvar e sua equipe exploram esplendidamente o cerne emotivo e a tonalidade dramática das cenas e a música exuberante e sinistra de Alberto Iglesias, parcialmente baseada em obra que compôs há quase vinte anos para um espetáculo de dança, denota a paixão, o mistério e o suspense que são os principais elementos da narrativa. E por falar nela, o trabalho feito pelo diretor no roteiro que adapta a história criada por Jonquet é o maior mérito do filme: ao trabalhar na trama, que gira em torno de um cirurgião brasileiro com uma vida marcada por desgraças que tenta obter êxito na criação de uma pele sintética mais resistente e que se serve, para tanto, de uma misteriosa mulher como cobaia, o diretor espanhol removeu os excessos da trama original – como as coincidências exageradas que cercam a história – e humanizou um pouco mais os personagens, particularmente o cirurgião interpretado por Antonio Banderas, conseguindo, assim, trazer à trama o caráter mais realista que faltava em seu formato original. A edição estudada acaba aproveitando todo este potencial do roteiro, recortando o filme entre flashbacks e tempo presente para amplificar os mistérios da roteiro e não permitir que os segredos surpreendentes sejam revelados antes do momento planejado. O resultado é um filme que é ao mesmo tempo extremamente sofisticado e exibe uma sobriedade impressionante, ainda mais por se tratar de um cineasta cuja popularidade surgiu justamente pela falta desta, mas que nem por isso perde o caráter sensível e emocionante que é marca de alguns dos filmes mais celebrados do diretor espanhol, já que Almodóvar magistralmente faz com que o choque da revelação do maior mistério do filme aproxime a platéia do grande personagem da história, incutindo no público uma empatia praticamente infalível por este personagem. Calculado, porém surpreendente como uma performance de tango, “A Pele que Habito” fica, assim, como a obra mais bem acabada e madura da carreira do cineasta até hoje, um exercício magnífico e impiedoso de cinema que tem a mesma aura exuberante e intrigante dos velhos filmes de mistério de Alfred Hitchcock.
Leia também uma outra resenha do filme de Almodóvar, feita pelo meu amigo Zé do Zeoffline.com