Ao tomar conhecimento do assassinato de toda uma família em Holcomb, uma cidadezinha interiorana dos Estados Unidos, o jornalista e escritor Truman Capote parte para o local para escrever um artigo sobre o acontecido para a famosa revista The New Yorker. Ao chegar na cidade o seu interesse sobre o ocorrido se amplia, e ao invés de um simples artigo Capote sente que deve escrever um livro. Assim, ele passa a dedicar alguns anos da sua vida envolvendo-se intensamente com a estória, fazendo pesquisas e entrevistas com os amigos da família e seus assassinos, produzindo aquilo que viria a ser considerado uma obra-prima, o livro “À sangue frio”.
Bennet Miller foi sábio e astuto ao decidir sobre a estrutura de sua cine-biografia de Capote: ao invés de se utilizar de todo o material disponível no livro de Gerald Clark resolveu retratar apenas o breve período que descreve a gênese do livro mais famoso do jornalista americano. Com essa decisão, Miller evitou uma enxurrada de sequências desnecessárias e tornou “Capote” uma das melhores biografias filmadas por Hollywood nos últimos anos, afastando do seu filme o traço mais comum em obras do gênero: a pieguice e apelação ao sentimentalismo fácil produzidos em cima de momentos dramáticos da vida do biografado. Porém, o longa metragem de Bennet Miller não se contenta apenas com a função de retratar o figura de Capote, formando ainda um discurso notadamente contrário à pena de morte ao explorar o sofrimento do jornalista durante o longo processo de sucessivas apelações para cancelamento da pena concedida aos crimininosos. O diretor também foi inteligente ao escolher o tom de seu longa-metragem, construindo um silêncio inquietante e seco durante todo o filme, o que torna ainda mais brutal a chocante sequência que retrata os assassinatos. Nada mais sensato: o silencio que percorre a maior parte de “Capote” é análogo àquele encontrado nas comunidades mais tradicionais dos Estados Unidos, que sempre tem algo de soturno e mórbido escondido sob sua atmosfera de aparente tranquilidade – quem conhece o trabalho de David Lynch sabe muito bem disso.
A atuação de Phillip Seymor Hoffman é, de fato, excelente: o ator soube incorporar o tom certo para não retratar de forma caricata um intelectual homossexual, construindo um Truman Capote que é sim egocêntrico e afetado, mas nunca é fresco e arrogante. Deve-se dar o devido mérito ao ator por conseguir atrair a simpatia do público ao compor um personagem que poderia facilmente ser mal compreendido por um ator menos atento. Mas Hoffman soube captar as sutis nuances do personagem: apesar de acreditar ser insensível à situação e pensar estar apenas usando os criminosos com o intuito de produzir seu livro, Capote se descobre sensibilizado com a estória dos assassinos e do crime em si, e acaba profundamente deprimido pelo misto de carinho e horror que nutre pelos homens reponsáveis pelo crime que queria retratar. É por compor um trabalho tão complexo que Hoffman merece o Oscar de melhor intepretação que ganhou este ano. E já que estou falando de Oscar, é bom informar que Miller consegue deixar para trás o celebrado – com justiça, admito – filme de Ang Lee, conseguindo fazer de seu sutil e brutal “Capote” o maior merecedor dos prêmios da Academia. No entanto, mais uma vez, Hollywood se recusou à ser sensata.